domingo, 2 de agosto de 2009

O mundo como devir imagem

Texto de Alexandre Santos para a exposição "Janela para o céu"

Ao brincar com a noção da arte constituindo-se como uma janela para o mundo, Luciano Laner nos convida a pensar sobre a tradição representativa do Ocidente. De certo modo, é da paisagem que ele nos fala, ainda que a sua provocação parta daquilo que é próprio da imagem fotográfica em contrapartida à pintura: o enquadramento e o fora de campo. Se, em termos de fotografia, o exercício do enquadramento implica sempre percebermos que existe a contrapartida do fora de campo, ou seja, de que existe algo que ficou além do recorte na tomada, uma imagem que aponta para o céu pode muito bem constituir-se como um fora de campo intencional.

Nos moldes da fotografia produzida pela Nova Visão do início do século XX, o enquadramento produzido por Luciano valoriza um fora de campo, uma zona desprezível do olhar e da representação, como o próprio elemento constitutivo da imagem. Neste exercício de tomada em contra-plongée, o céu – que poderia ser coadjuvante e ocupar um terço do espaço compositivo se nos remetemos à tradição pictórica paisagística – torna-se o próprio centro da imagem. Em suas bordas, restos de uma prosaica arquitetura. Nesta desconstrução da perspectiva, a representação celeste aparece como elemento de estranheza que acarreta pela falta uma reflexão sobre a ortogonalidade.

Longe de instaurar uma relação estável para o exercício do ver, a janela para o céu de Luciano se apresenta como um abismo, um oceano repleto de possibilidades, completamente dissonante em relação aos sistemas tradicionais de representação. Instalado na galeria escura como um autêntico dispositivo do ver, parecido com os pré-cinemas no século XIX, este céu torna-se também um chão, que nos re-ensina a olhar. Como paisagem quase vertiginosa, a sua fruição leva o espectador a voltar-se para o chão, repetindo neste sentido o gesto da melancolia em suas representações iconográficas: ao voltar-se para o chão em atitude de devaneio, a imagem da melancolia busca a razão. Entretanto, a qual razão conduz o céu/abismo de Luciano Laner? Talvez a sua janela conduza ao próprio chão da arte, que neste caso é o de pensar o mundo como devir imagem, inacabado em sua imperfeição. Este não deixa de ser o sentido melancólico inexorável de todos os que vivem de fazer ou de apreciar a arte.

Alexandre Santos
Agosto de 2009

Alexandre Santos é Historiador e Crítico de Arte, Professor e Pesquisador do Instituto de Artes - UFRGS

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